
Divulgações Culturais
Quando escrevemos, buscamos expor nossas ideias como se resultassem de um encadeamento lógico e necessário. O mais provável, porém, é que elas resultem de embates entre experiências e intuições variadas e, mesmo, antagônicas, que, decantadas com o correr dos tempos, ganham forma de pensamento organizado, mais palatável para seu entendimento e transmissão. Assim, a origem mais ou menos caótica dessas ideias e de sua concatenação ganha uma ordem ou construção que contradiz sua gênese; passamos a acreditar nessa ordem como se ela espelhasse a própria forma como nosso pensamento foi elaborado, e assim procuramos transmiti-la. (apud myself)
“... fazer todo o mal de uma só vez” (apud Maquiavel)
PRELIMINARES
Cultura é uma resultante indeterminável, social, de confluências de pensamentos e realizações de indivíduos nas mais diversas esferas do conhecimento e da ação. Ela não está restrita ao âmbito das artes, das teorias científicas ou filosóficas, de conhecimentos teóricos ou práticos. Embora se fale de pessoas cultas, ou de muita cultura, é preferível entender o termo de forma genérica, ou social, não limitada a indivíduos.
Não há ninguém que não tenha cultura, isto é, que não participe de um processo cultural. Pretender ‘levar cultura’ significa afirmar que pessoas não têm cultura (isto é, que não participam de um processo cultural), ou que sua cultura é insuficiente, equivocada, e precisa ser substituída por uma cultura ‘melhor’, ou aumentada com ‘mais cultura’.
Cultura não é algo quantificável, que possa ser reduzido a um acúmulo de conhecimentos ou experiências. Pode-se e deve-se, porém, propiciar a extensão de conhecimentos, a partir dos quais cada um elaborará suas concepções.
Ninguém faz cultura. Fulano escreve um poema, beltrano compõe música, cicrano pinta qualquer coisa, alguém inventa uma nova técnica de plantar batatas ou abre novas perspectivas para o entendimento do cosmos, e todas essas e outras ações e concepções contribuem para formar e caracterizar um ambiente cultural. A ideia de que haja ‘fazedores de cultura’ é um despropósito, na melhor das hipóteses.
Ninguém, nem lei nenhuma, me dá o direito a ter cultura (a participar de um processo cultural), assim como ninguém ou lei nenhuma me dá direito a respirar. A ideia de ‘direito à cultura’ é, na melhor das hipóteses, um equívoco, com pretensões a generoso wishfull thinking, como se existisse uma única concepção de cultura, ou como se cultura fosse um bem ou uma necessidade alimentar, ou condição para ascender socialmente. Direito ao conhecimento é outra coisa.
Pode-se melhorar e aperfeiçoar o nível de conhecimentos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas; cultura não é aperfeiçoável, mas pode ser modificada. Essa modificação não se faz, normalmente, por ações voluntárias, com prazo de duração definido ou pretendido, mas por sócio-decantações que cobrem largos períodos. As pregações por ‘revoluções culturais’ têm tanto um lado cômico, de reforma da natureza (vide Monteiro Lobato), como são germe de totalitarismos, ovos de serpentes.
A coexistência pacífica de culturas diferentes depende de não haver pontos de atrito em questões fundamentais e que a impossibilitem. Houve épocas em que católicos e protestantes se massacravam; a passagem à coexistência pacífica decorreu de uma lenta mudança cultural. De acordo com algum princípio moral que parece transcender fronteiras, a cultura de guerra pode e deve ser vista como uma cultura ruim, e a cultura de paz como uma cultura boa. Essa observação leva à ideia de que há culturas ruins, ou culturas melhores ou piores do que outras; ela nega o princípio multicultural segundo o qual todas as culturas têm o mesmo valor e devem ser entendidas a partir de suas próprias categorias, e não a partir de categorias de outras culturas. De acordo com esse ‘princípio’, teríamos a obrigação de compreender e de aceitar os diferentes valores e concepções, bem como as consequentes ações cometidas em função desses valores e concepções. É uma perversão ‘cultural’, ou multicultural, pretender que a cultura do Boko Haram/Estado Islâmico seja tão válida quanto a de um regime democrático; mas atenção: regimes totalitários, declarados ou não, ostentam a palavra “democrático” para ocultar sua real natureza.
As observações anteriores indicam que identidade cultural não é um valor em si, que deva ser integral ou necessariamente aceito ou respeitado, e que a ideia de resgatar identidades perdidas ou em perigo pode ser inconveniente, ou perniciosa, ou maléfica. Extrair corações de virgens para oferta-los a deuses solares fazia parte da identidade cultural de povos andinos; suponho, espero, que ninguém queira resgatar essa identidade. Enterrar servidores, escravos, viúvas e animais vivos, além de objetos de uso pessoal, junto com um chefe falecido, era costume ritual tanto entre chineses como no antigo Egito e em culturas negras; essa prática só foi eliminada pela ação – deletéria? – do colonialismo imperialista europeu. O resgate de tradições de indígenas nossos deveria incluir a volta à antropofagia? A defesa de resgates de identidades pode ser uma falsificação ideologizada: escolhe-se, numa cultura, o que é considerado digno de ser resgatado, a partir de critérios posteriores, estranhos a essa cultura, de modo a preservar apenas o que nela é considerado como ‘cultura boa’, de acordo com tais critérios. Para essa espécie de angelismo, ‘cultura ruim’ não é cultura.
Definir cultura é muito útil para delimitar o que se entende ou quer entender como tal, e um passo seguro para manobrar a definição resultante com vistas à consecução de determinados objetivos − sempre, claro, com as mais nobres intenções. Pode-se, mesmo, supor que as linhas gerais de uma definição estão subentendidas nos objetivos que norteiam sua construção. As tentativas de definição poderiam ou deveriam estar restritas a ambientes universitários ou acadêmicos, onde os eventuais malefícios que possam causar são pouco ou menos impactantes.
A definir, prefiro caracterizar traços e/ou configurações decorrentes de ambiências culturais. O sociólogo Ralph Linton (que não se intitulava “cientista social”) pretendia que cultura é como a água em que o peixe se move. Ele não sabe que vive nela, e só se dá conta disso quando seu nariz percebe um outro ambiente, o da atmosfera. Vivi essa experiência após morar pouco mais de cinco anos na Europa. Antes, só vi em Ouro Preto um amontoado de casas velhas; depois, foi o deslumbramento com todo aquele ambiente.
CONTRA A ‘CULTURA OCIDENTAL’, etc.
Os traços culturais são resistentes à mudança, e quanto mais profundos, menos perceptíveis e/ou identificáveis. Culturas são, basicamente, conservadoras. Nesse sentido, elas têm alguma semelhança com as concepções ou teorias científicas, que só são substituídas quando passam a ser recusadas pela maioria do colegiado de cientistas, em função de novos conhecimentos que infirmam os fundamentos do que até então era aceito como válido por esse colegiado. A substituição de uma teoria por outra não significa que a nova teoria anule a anterior, mas sim que esta passa a ser incluída num contexto mais amplo, propiciado pela ruptura dos limites que a caracterizavam ou definiam.
De forma análoga, modificações em sistemas de pensamento, que superam ou contradizem concepções anteriores, podem coexistir com a conservação de expressões ou ideias ligadas às concepções superadas, em função, tanto de facilidade que elas trazem para a comunicação corrente, como da comodidade trazida pela perpetuação de estereótipos, por mais contraditórios que eles possam ser com as novas concepções. A ideia de “cultura ocidental” é um caso exemplar desse tipo de sobrevivência, dependente ou ligada à concepção dual de Ocidente/Oriente. As ilações e argumentos com que infirmo essas concepções são apresentadas, a seguir, na ordem como a mim se impuseram, a partir de meus conhecimentos sobre músicas africanas tradicionais/tribais, que me levaram, inicialmente, a rejeitar as ideias de música afro e de cultura afro, para só depois recusar a ideia de ‘cultura ocidental’ e o dualismo Ocidente/Oriente.
A África é um continente múltiplo. Ao norte do Saara, estão os árabes, em geral islamizados. Ao sul do deserto se concentram as populações negras islamizadas, e mais abaixo, as animistas. Os islamismos negros não são idênticos entre si, nem aos dos árabes, que também variam; da mesma forma, os animismos manifestam extraordinárias diferenças em suas organizações sociais e em suas concepções religiosas, mesmo considerando um fundo comum nos cultos a ancestrais. Nas músicas, há enormes diferenças entre os árabes e os negros islamizados ou animistas. Os árabes têm uma milenar tradição de teorias musicais, um timbre vocal muitas vezes tenso, instrumentos como a harpa kora e o oboé, também praticados entre os negros islamizados, mas desconhecidos dos animistas, cujas trompas antropomórficas e arcos musicais não são praticados entre os islamizados. As vozes dos animistas são, em geral, mais suaves, mas os negros em geral ignoram teorias musicais. Os pigmeus praticam cantos polifônicos não encontradas em nenhuma outra parte da África. Do lado do Índico, Índia e Indonésia têm uma milenar tradição de contatos com Madagascar e Moçambique, onde as cítaras com cordas dispostas sobre bambu replicam as daqueles países asiáticos. Não há como caracterizar uma comunidade cultural entre árabes e negros islamizados ou animistas; logo, não existe cultura afro, nem cultura negra, embora seja possível referir uma cultura árabe, ao norte do Saara.
As diferenças entre países europeus são unificadas por concepções comuns, propiciadas, em especial, pela extensão e pela expansão dos conhecimentos científicos e filosóficos, ligados a práticas artísticas e a sociedades organizadas de acordo com princípios libertários herdados da Magna Carta e da Revolução Francesa. Essa relativa unidade europeia é, tradicionalmente, designada como “cultura ocidental”. Não há medida cultural comum entre Europa e África; o mapa-mundi mostra que esses continentes estão entre os mesmos meridianos – ambos são igualmente ocidentais. Passei, portanto, a rejeitar aquela expressão, e a substituí, no meu entendimento, por “cultura europeia”.
Se ‘cultura ocidental’ é uma concepção eurocêntrica e exclusivista, que condena a África à inexistência, o mesmo não pode ser dito de cultura europeia, que considera tanto uma realidade cultural como a geografia. Não pretendo afirmar que esta cultura atinja ou caracterize igualmente todos os indivíduos no continente europeu, mas sim que é, nele, a cultura dominante – mas não no sentido de ‘cultura de classe dominante’, por favor!
Ao contrário do que afirma a carta da ONU, a ideia de liberdade não é intrínseca à humanidade. Essa ideia é tributária da Carta dos Direitos do Homem, elaborada durante a Revolução Francesa, quando se discutia, inclusive, se as mulheres eram abrangidas por esses direitos, com resultados não muito favoráveis a elas. Ao contrário, a escravidão foi amplamente praticada em toda a antiguidade; a democracia grega com ela convivia. Na Idade Média, bispos e mosteiros tinham escravos; a república veneziana tirava boa parte de seus ganhos traficando, com os árabes, eslavos (origem de slaves?) arrebanhados do outro lado do Adriático.
Em correspondência com os abolicionistas ingleses, no final do sec. XIX, Joaquim Nabuco referiu a escravização de negros por árabes, em caravanas que atravessavam o Saara, e que só acabaram, ao que parece, pela ação contrária dos colonizadores europeus após a primeira grande guerra. Alberto da Costa e Silva relata que a escravidão “só foi abolida na Serra Leoa em 1928, na Etiópia em 1942 e na Arábia Saudita em 1962” (A enxada e a lança, 3ª ed., p. 667). No Brasil, os negros se refugiavam em quilombos não por causa da liberdade – ideia estranha às suas culturas de origem – mas para não serem escravos, o que é muito diferente. Mesmo escravizados, negros que ganhavam a confiança de seus senhores podiam ser intermediários de traficantes. Os que compravam alforria, homens e mulheres, afirmavam sua liberdade comprando escravos; outros voltavam para a África e se tornavam mercadores de escravos. Ao se tornarem abolicionistas, Luiz Gama e outros mais assinalavam a ruptura com sua cultura original. Os aiatolás e o Estado Islâmico têm razão, ao negarem a ideia de liberdade inventada pela cultura europeia.
Ionesco, em A lição, ensinou que “a aritmética leva à gramática e a gramática leva ao crime”. Quando rejeitei a ideia de cultura ocidental, a noção de Ocidente perdeu, para mim, significado, assim como a de Oriente. Ambas têm sentidos unívocos: Oriente designa a Ásia (a Austrália é ignorada), Ocidente designa a Europa e as Américas (a África não existe, embora esteja entre os mesmos meridianos que delimitam a Europa), e ainda há um esquisito ‘Oriente próximo’. Parece que apenas algum grego, antes era cristã, rejeitou a ideia, universalmente aceita, segundo a qual o Sol nasce no Oriente e se põe no Ocidente.
Quando a percepção de que o Sol se movimenta em torno da Terra foi substituída pela concepção europeia, ditada de cima para baixo, segundo a qual a sucessão de dias e noites resulta de movimento do globo terrestre em torno de seu eixo, as ideias de um Ocidente e de um Oriente fixos deveriam ter sofrido radical modificação, mas não foi o que aconteceu: elas mantiveram o mesmo conteúdo fixo herdado da era geocêntrica. Ambas passaram a ser, para mim, inaceitáveis.
Não creio correto criticar as alusões poéticas ao Sol poente ou nascente, válidas em qualquer lugar de nosso planeta, nem as ideias de leste e de oeste, que não têm nenhuma fixidez geográfica e são univocamente aplicadas na Patagônia e na Mongólia, embora não sejam válidas fora da Terra. A noção de Norte também só vale em nosso planeta, onde está objetivamente justificada pela agulha da bússola, que aponta sempre na mesma direção, o que autoriza, por oposição, a noção de Sul.
Suponho que o dualismo Ocidente/Oriente não existia m civilizações cujos horizontes geográficos eram muito limitados, e que ele foi concebido, a partir de um geocentrismo implícito, pela ampliação desses horizontes em função de movimentações comerciais ou guerreiras. Creio que só um antropocentrismo reducionista e culturocêntrico possa justificar a permanência desse dualismo, que já deveria ter sido eliminado de todas as formas de pensamento; se isso não ocorre, é pela facilidade que ele traz para as manifestações correntes e, como antes sugerido, para a manutenção de estereótipos.
VARIAÇÕES
No início do século passado, os EUA tinham mais de 100 universidades e outras tantas orquestras sinfônicas, mais de 20.000 bandas de música e de 30.000 coros, que constituíam um amplo mercado para uma rede de escolas de música de nível pelo menos razoável, de editoras de partituras e de literatura crítica, de fabricantes de instrumentos musicais de qualidade. Por essa época, no Brasil não havia nenhuma universidade; o baixo nível exigido para a relativamente exígua vida musical não propiciava a criação de um mercado interno exigente, com as exceções localizadas, sobretudo, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
A explosão artística em Florença e Veneza é impensável sem as riquezas geradas nessas e em outras cidades italianas e europeias, graças ao desenvolvimento de uma intensa atividade comercial e intelectual que ignorava fronteiras. Os monumentos de Olinda e Recife são tributários do ciclo do açúcar; Aleijadinho, Ataíde e Emerico não existiriam sem o ouro das Gerais, que semeou várias cidades-monumento nos seus rastros. Bahia e Rio de Janeiro beneficiaram-se de seus status de sedes do governo colonial e, depois, da monarquia, mas seus fulgores tiveram pouca irradiação no interior de seus domínios. Quando São Paulo assumiu a liderança econômica do país, graças ao café e à industrialização por ele propiciada, a descentralização da riqueza criou uma variedade de centros artístico-culturais superior à de qualquer outro Estado brasileiro; a terra roxa do oeste paranaense trouxe notável florescimento econômico e cultural para a região em torno de Londrina. Assistimos, mais recentemente, a uma expansão das atividades artístico-culturais nas áreas mato-grossenses impulsionadas pelo agronegócio. Parece impossível não relacionar a volta da ópera ao Teatro Amazonas à Zona Franca estabelecida em Manaus.
Em todos esses casos, pode-se repetir o aforisma “sigam o dinheiro”, ou “é a economia, estúpido!”, para caracterizar situações em que emerge, quase que por geração espontânea, uma ânsia por enriquecimento que não se restringe à posse de numerário, e que transborda para o pensamento mais elaborado, o gosto mais requintado, o prazer das coisas menos utilitárias. Em outras palavras, é o desenvolvimento econômico de sociedades diversificadas, onde os conhecimentos e as riquezas são razoavelmente distribuídos, que possibilita o interesse por manifestações mais elaboradas e o incremento às atividades intelectuais e artísticas, com as consequentes modificações no âmbito da cultura – e não o contrário.
Algumas concepções recentes parecem considerar que a economia é tributária da cultura. Elas deveriam levar a conferir ao Ministério da Cultura as atribuições do Ministério do Planejamento. Felizmente, não é provável que essa transferência ocorra. O Estado não é tábua de salvação da cultura, que, como antes observado, não pode ser entendida como um objeto manipulável, embora haja tendências a assim considera-la.
Foi observado, no início desse texto, que “cultura é uma resultante indeterminável, social, de confluências de pensamentos e realizações de indivíduos nas mais diversas esferas do conhecimento e da ação”. Seu âmbito se espalha por todos os ministérios, mais em alguns, menos em outros. Suponho que todos tenham centros de documentação e bibliotecas; vários ocupam ou têm prédios históricos e museus sob sua guarda, como o da Defesa. O papel do Ministério da Educação, como formador de profissionais e disseminador de conhecimentos, é insuperável; deficiências na área da saúde não se coadunam com as necessidades do aprendizado. As falhas brutais no transporte coletivo, em função da prioridade concedida ao automóvel, roubam de milhões, diariamente, milhões de horas que poderiam ser consagradas ao descanso e ao lazer. Independentemente de questões envolvendo recursos, a atuação do Ministério da Cultura tem, necessariamente, limitações, considerando que vetores essenciais para a vida cultural têm vínculos fortíssimos com outras áreas governamentais, e, mesmo, delas dependem. Ações conjuntas, embora convenientes, nem sempre são possíveis.
Não se pode esquecer a importância de instituições como o Sistema “S”, nem das empresas que, criando empregos, serviços e produtos, contribuem para diversificação da economia e alargam, ipso facto, o campo cultural. A contribuição individual também não pode ser desprezada, por mais que ela dependa do tecido social, embora um Beethoven, um Galileu, um Shakespeare, um Dostoievski, possam, motu próprio, abrir novos caminhos para a percepção e a compreensão do mundo; esse é um traço marcante na cultura europeia (não ocidental!).
Da mesma forma como planejamentos não podem tudo planejar, a primeira condição para que políticas de apoio a atividades artístico-culturais sejam bem sucedidas é que elas não tenham a pretensão de resolver todas as questões a elas referentes, de ouvir e de atender a todos os reclamos, de abordar todos os setores e indivíduos por elas envolvidos. A modéstia costuma ser boa conselheira, nesse e em outros casos. Há que selecionar objetivos bem delimitados e manter políticas sistemáticas, que serão necessariamente públicas, pois órgãos públicos, por definição, fazem políticas públicas.
Uma tradição – cultural! – de nossos dirigentes, em todas as áreas públicas, é a mania da originalidade, da ‘criatividade’, que se manifesta pela vontade de deixar marcas próprias nos cargos dos quais são, sempre, ocupantes provisórios. Assim procedendo, eles podem contribuir para desarticular ou minimizar programas em andamento e para semear confusão no distinto público. É lamentável, por exemplo, constatar a quantidade de projetos que nos chegam com propostas salvadoras que afastariam pessoas, particularmente os adolescentes, das drogas, da prostituição, do banditismo e de outras situações de risco. As vítimas potenciais teriam garantido um futuro róseo, graças à criação de orquestras juvenis etc. O problema é real, mas os meios para equacionar seu melhor encaminhamento passam por outros eixos.
Esse tipo de corrupção insuflada, nos proponentes de projetos, por concepções salvadoras emanadas de dirigismos culturais, não chega a ser novidade; quem trabalha há anos na área cultural já viu esse filme rodar algumas vezes, mas é sempre desagradável revisitar cacoetes.
FINALMENTES
Nem tudo o que se diz, se faz,Eu digo e serei capazDe não resistir,Nem é bom falar,Se a orgia se acabar.
(Nem é bom falar; samba de Ismael Silva, Newton Bastos e Francisco Alves)
(Texto divulgado durante seminário interno na Funarte, em abril de 2015)
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