
Hinos de Marcos Portugal
Introdução
Esta publicação vem apresentar a edição crítica dos hinos compostos por Marcos Portugal (1762-1830). No entanto, é escusado oferecer aqui uma biografia extensa do autor. Uma bastante completa, escrita por António Jorge Marques, pode ser consultada no Dicionário Biográfico Caravelas¹. É suficiente frisar que Marcos Portugal nasceu em Lisboa, em 1762, falecendo no Rio de Janeiro, em 1830, já como cidadão brasileiro, pois aderiu à independência do país. Foi um dos mais bem sucedidos compositores luso-brasileiros de seu tempo, escrevendo uma obra vasta e variada, que inclui gêneros dramáticos e sacros, passando por obras didáticas, canções e peças instrumentais.
Hino Patriótico da Nação Portuguesa:
Este hino teve grande sucesso e é geralmente lembrado simplesmente como Hino Patriótico. Alguns autores² querem crer que a composição fosse originalmente o hino final da Cantata La speranza o sia l’augurio felice composta por Marcos Portugal, em 1809, para o aniversário de D. João. No entanto, o libreto desta cantata (a partitura não é conhecida) nos mostra um hino final com versos em 7 sílabas, enquanto o Hino Patriótico possui versos pentassílabos:

Tabela 1: Hino Patriótico e final de La speranza
As diferenças métricas entre os poemas parecem denegar que a música do Hino Patriótico tenha sido tirada da referida cantata⁶. Se de fato o foi, algo que só poderá ser confirmado com a localização da partitura da cantata, é de se esperar que a linha vocal tenha sofrido alterações, de forma a se adequar a um poema com versos tão diversos. Tratando-se de música diferente, podemos levantar hipóteses que expliquem por que as duas composições acabaram sendo relacionadas: (1) A semelhança entre os dois primeiros versos do refrão do Hino Patriótico e os respectivos versos na segunda estrofe do texto português da cantata pode ter levado alguns a pensar que se tratasse de mesma música. No entanto, e preciso lembrar que isto não é suficiente para demonstrar esta hipótese. Afinal os hinos e outras composições musicais ocasionais utilizavam textos bastante convencionais, nos quais abundavam tópicas⁷ que circulavam entre obras diversas. (2) Também é possível que o Hino Patriótico já tivesse sido composto anteriormente, quem sabe nas comemorações da convenção de Sintra, o que explicaria a relação que acabou sendo feita entre ele e este armistício (Vieira in Hymno Patriotico..., P-Ln, cota M.M. 340//3, Hymno Patriotico..., P-Ln, cota A.M. 27 V.), e tenha sido cantado na celebração do aniversário de D. João VI, imediatamente depois do final da cantata propriamente dita, prática comum num programa musical utilizado em festejos como estes. Isto poderia levar ao pressuposto que se tratasse do final da referida cantata. Seja como for, o destino e o significado deste hino são mais importantes que suas origens e sobre eles devemos nos deter. O fato é que o Hino patriótico dialoga perfeitamente com a realidade portuguesa naquele momento das Guerras Napoleónicas, exorta o movimento de resistência ao inimigo (daí ter merecido o título de Patriótico), faz referência direta à partida do príncipe para além-mar, e deixa claro o desejo de todos pelo seu retorno.
A fonte mais antiga da partitura é aquela publicada em Lisboa em 1810, para coro e banda militar, e que deve ter contado com a anuência do compositor, que ainda se encontrava em Lisboa naquele ano⁸. A partir desta, várias outras versões para voz e piano, ou apenas piano, foram sendo impressas ou copiadas manualmente, de forma mais ou menos fiel. Somente na Biblioteca Nacional, em Lisboa, são pelo menos oito exemplos⁹. Vale a pena dizer que a edição musical mais antiga foi feita para duas vozes ou coro, característica que não foi preservada em nenhuma das versões posteriores que conhecemos, todas a uma voz apenas. Este fenômeno está relacionado com o próprio sucesso da composição. Afinal, com a popularização do hino, era de se esperar que uma versão vocal mais simples acabasse por prevalecer.
No que diz respeito ao texto propriamente dito, a história não preservou o nome do poeta. A fonte textual mais antiga também é aquela da publicação de 1810:
- Eis Principe Excelso
Os votos sagrados
Que os Lusos honrados
Vem livres fazer.
Refrão:
Por vòs pela Patria
O sangue daremos
Por gloria sò temos
Vencer ou morrer.
- Aos Mares vos destes
A bem dos vassalos;
Julgando livra-los
Do impio poder.
- Malgrado o Tirano,
Em breve vireis
Os luzos fieis
Vós mesmo reger.
- Hum Deos Vos escuda,
Ó Principe Caro:
Deos he nosso amparo,
Naõ ha que temer.
Por outro lado, o texto original recebeu vários ajustes, acréscimos e versões, de forma a se manter atual, ou em concordância com a conjuntura. Se a princípio fazia referência direta ao então Príncipe Regente D. João, após a aclamação deste monarca, o hino teve seu texto ajustado à nova realidade (primeiro verso transformado em “Eis, Monarca Excelso...”) como pode ser visto no manuscrito Hymno Ao Rey de Portugal Dom João Sexto¹⁰. Outra versão, escrita em 1824¹¹, pelo oficial britânico John Milley Doyle, comenta o fim da Abrilada¹²:
E os mais Ministros
Das grandes Nações
Seus fortes Brazões
Souberão manter.
E Jorge immortal,
A quem adoramos,
Por ele juramos,
De vos defender.
O poeta inglês celebra a resolução do conflito entre o rei português e seu filho, o infante D. Miguel, sem deixar de homenagear seu próprio rei, George VI, relembrando, desta forma, o papel importante que os ingleses tiveram no fim do embate. Este é um exemplo claro de como um determinado grupo ou pessoa podem utilizar a música de um hino conhecido como veículo de sua própria ideologia e interesses.
Outras versões podem ainda ser citadas, como é o caso da Cançoneta para se applicar á musica do hymno portuguez¹³, publicado pela Imprensa Régia em 1828. O título nos mostra que após a morte de D. João VI, a música se mantém como um hino nacional oficial. Em outro momento ainda, o texto foi completamente alterado para se adequar aos interesses de D. Miguel I, cujo reinado teve início 1828¹⁴. Resultado disto é o que hino acabou sendo relacionado também com a figura de D. Miguel I, como atesta uma versão manuscrita, na qual podemos ver um parêntese explicativo na mão de Ernesto Vieira “(D. João VI e D. Miguel)”¹⁵.
Chamamos a atenção cuidadosamente para estas “contrafações”, pois só estão presentes em músicas patrióticas que ganharam suficiente notoriedade para se tornarem simbolicamente relevantes, e/ou que tiveram uma vida suficientemente longa para se deslocarem por momentos históricos diversos. Portanto, elas atestam indiscutivelmente o sucesso de determinada música e acabam por demonstrar que é o elemento musical, não o texto, o objeto mais perene ou fundamental dos hinos.
Resta dizer que o Hino Patriótico de Marcos Portugal permaneceu lembrando como um dos hinos nacionais portugueses, como mostra a edição de Sasseti¹⁶ em meados dos oitocentos e aquela dos Serões no início do século XX¹⁷. É preciso salientar que é o primeiro hino português a merecer foros de “nacional” e que ainda é um dos hinos oficiais da nação, já que é o atual hino da Marinha de Portugal, apesar dos vários ajustes musicais, e do uso de um novo poema de Moreira Silva¹⁸.
Descrição da Fonte:
I. Biblioteca Nacional de Portugal, P-Ln, cota C.N. 1408//1 A. (Disponível em: http://purl.pt/6602 )
II. Música impressa em Lisboa, em 1810, sem indicação de editor.
III. Página de rosto: Hymno patriotico / Da Nação portugueza / A Sua Alteza Real / o Principe Regente / N. S. // Para se cantar com muitas vózes / E mesmo à maneira de Coro // Com acompanham.to de toda a banda militar // Em Lisboa / No anno de 1810 / Musica de Marcos Portugal
IV. 15 páginas, 350 mm.
V. Antigo proprietário Ivo Cruz
Notas críticas:
Cor. 6 – todas as notas escritas como Sib (som real); alteração em acordo com a harmonia e a exemplo do compasso 4.
Cl. II 7 ii – no original Dó (nota real); alteração em acordo com a harmonia.
Req. 41 i – Lá (som real) no original; alteração segundo a harmonia.
Fln. 41 ii – semicolcheia no original.
A edição crítica:
Todas as composições aqui apresentadas foram editadas a partir das fontes autógrafas ou mais antigas. As partituras estão precedidas de uma breve contextualização histórica da obra, da transcrição do texto poético na ortografia original, seguida de notas críticas que seguirão o seguinte formato:
Ins. C n - texto explicativo.
“Ins.” indica o instrumento em questão.
“C”, em números arábicos, informa o compasso
“n”, em números romanos, indica a posição da nota no compasso, desconsiderando pausas
Exemplo:
“Sop. 10 ii” quer dizer “Soprano, compasso 10, segunda nota”.
O texto usado na partitura também sofrerá uma edição crítica no que diz respeito à ortografia, que será modernizada sempre que isto não implicar mudanças de pronúncia.
Os sinais de dinâmica foram sempre generalizados para instrumentos de mesma família.
Abreviaturas deste volume:
Cl. – Clarinete
Cor. – Corne
Fag. – Fagotte
Fl. - Flauta
Fln. – Flautine
Grc. – Gran Cassa
Otv. – Ottavine
Pn. – Piano
Pn. md. – Piano, mão direita
Pn. me. – Piano, mão esquerda
P-Ln – Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
Req. – Requinta
Srp. – Serpentone
Tmp. - Tímpanos
Trb. – Trombe
V. – Voz
Zab. – Zabumba
Notas de rodapé
- Publicação digital disponível em: https://dicionario-biografico.caravelas.fcsh.unl.pt/
- Valentim, Maria José Quaresma de Carvalho Alves Borges. A Produção musical de índole política no período liberal (1820-1851). Diss. Mestrado. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2008.
- Texto de Giuseppe Caravita. Libreto: La speranza; o sia l´augurio felice. Cantata per celebrare il faustissimo giorno natalizio di Sua Altezza Reale il Principe Reggente N. S. nel Real Teatro di S. Carlo al 13 de Maggio 1809. Lisbona: Stamperia di Simone Taddeo Ferreira, 1809. (P-Ln, cota M 1369 P.).
- Texto segundo a edição mais antiga: Hymno Patriotico da Nação Portugueza [...]. Lisboa: s.n, 1810 (P-Ln, cota C.N. 1408//1 A.).
- Tradução disponível no libreto original.
- Os textos poéticos dos hinos estão sempre transcritos na ortografia original.
- Aqui no sentido retórico de topoi, lugar-comum.
- Hymno Patriotico da Nação Portugueza a Sua Alteza Real o Principe Regente N. S. Para se cantar com muitas vózes e mesmo à maneira de coro com acompanham.to de toda a banda militar. Lisboa: s.n, 1810 (P-Ln, cota C.N. 1408//1 A.). Versã digital disponível em: http://purl.pt/6602
- Somente para citar algumas versões, além da já citada edição de 1810:
- Hymno Ao Rey de Portugal Dom João Sexto Feitto Pello Marcos Antonio Portugal (segundo catálogo foi manuscrita em 1816, cota M.M. 340//4) [disponível em http://purl.pt/16591 ]
- “Hymno Patriotico. Do S.r M.cos Portugal”, In Collecção de Hymnos para Piano-Forte (manuscrita entre 1820 e 1830, segundo catálogo, cota M.M. 341//11) [disponível em http://purl.pt/845]
- Hymno Patriotico Musica Do Snr. Marcos Antonio Portugal (manuscrita entre 1840 e 1860 segundo catálogo, cota F.C.R. 168//32) [disponível em http://purl.pt/17332 ]
- “Hymno Patriotico”, In Hymnos nacionaes portuguezes, nº 6. Lisboa: Sassetti, (entre 1850 e 1853 segundo catálogo, cota M.P. 449//45 A.) [disponível em http://purl.pt/15290 ]
- Hymno Patriotico Musica Do Snr Marcos Antonio Portugal (manuscrita entre 1870 e 1900 segundo catálogo, cota C.N. 472).
- Hymno Patriotico por Marcos Portugal (D. João VI e D. Miguel) Escripto exactamente em 1809 para celebrar a Convenção de Cintra (manuscrita entre 1850 e 1900 segundo catálogo, cota M.M. 340//3) [disponível em http://purl.pt/827 ]
- “Hymno Patriotico Musica de Marcos Portugal”, In Música dos Serões (coleção), suplemento de Serões, n. 40 (out. 1908) (cota A.M. 27 V.)
- P-Ln, cota M.M. 340//4 [disponível em http://purl.pt/16591 ]
- Hymno Offerecido respeitosamente a Sua Magestade Fidelissima pelo Comendador do Banho João Milley Doyle. Lisboa: Typografia Rollandiana, 1824. (A existência deste hino, bem como seu texto e demais informações são fornecidas por Valetim (Op. cit., p. 29), sem informar a localização da fonte).
- Em abril de 1824, o infante D. Miguel, que havia sido nomeado general do exército português, dá início a um movimento de reação contra os liberais e constitucionais que tinham forte influência sobre D. João VI. Este malfadado levante, que terminaria com o exílio de D. Miguel, ficou conhecido como a Abrilada.
- Cançoneta para se applicar á musica do hymno portuguez. Lisboa: Imp. Regia, 1828. (P-Ln, cota L. 4494//19 V.)
- Algumas versões relacionadas como movimento miguelista:
Hymno Portuguez. Novas letras apropriadas à feliz epoca em que nos achamos. Dedicado aos bons, e illustres Portuguezes, que professão Religião sem fanatismo, amor ao Throno sem illusão, sentimentos patrióticos sem desenvoltura. s.d., c. 1828. Informação dada por Valentim (Op. Ct., p. 47) sem indicar a localização da fonte.
Hynno para ser cantado no Real Theatro de S. João da Cidade Do Porto no anniversario do nascimento de [...] O Senhor D. Miguel I. Porto: Tip. Viuva Alvarez Ribeiro e filhos, 1828. (P-Ln, cota L. 10792//20 P.)
- Op. Ct.
- Op. Ct.
- Op. Ct.
- Ver: http://fuzileiros.marinha.pt/PT/comando/Pages/hinomarinha.aspx
- Hymno de agradecimentos A Lord Wellington. Em q. poderia cantar com hum, ou mais vozes, a man.ª de Coro. Offerecido, e dedicado ao Ill.mo e Excellentissimo Snr. Marques de Vagos. Por seu Autor da Muzica Marcos Portugal. Música manuscrita: P-Ln, cota M.M. 340//6 [disponível em http://purl.pt/828
20. Himno para a Feliz aclamação de S. M. F. O Senhor D. Joaõ VI que por ordem do Mesmo Augusto Senhor compoz Marcos Portugal. Música manuscrita: Biblioteca Alberto Nepomuceno, cota MS(E) P-XI-2.
21. Andrade, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, 2 v.
22. Marques, António Jorge. A obra religiosa de Marcos António Portugal (1762-1830): catálogo temático, crítica de fontes e de texto, proposta de cronologia. Tese (doutorado). Universidade Nova de Lisboa, 2009
23. “Hino para a Aclamação de D. João VI: edição e contextualização (com partitura inédita)”. Opus, vol. 18, p. 41-72, 2012. ISSN: 1517-7017. (http://www.anppom.com.br/opus/data/issues/archive/18.1/files/OPUS_18_1_Pacheco.pdf)
24. Podemos citar alguns exemplares guardados em acervos do Rio de Janeiro. As datações são inferidas a partir do nome e endereço das editoras, bem como do número de chapa da impressão, em acordo com o verbete “Impressão musical no Brasil” da Enciclopédia da Música Brasileira (Marcondes, pp. 370-379), ou também pelo site http://mpbantiga.blogspot.pt/2011/07/impressao-musical-no-brasil-parte-1.html:
25. Este poeta é autor do texto de outros hinos:
Hymno do batalhão do imperador, Hymno Marcial, Hymno braziliense (in Moraes Filho, 1902; Silva, s.d.).
Independência ou morrer. Rio de Janeiro: Typographia do Diario, 1822. (BR-Rn, cota DIORA 248, 4, 7, n 11).
26. O manuscrito encontra-se na Seção de Manuscritos de BR-Rn. A versão impressa mais antiga que foi possível consultar é: Hymno Constitucional Brasiliense. Rio de Janeiro: Typographia do Diario, 1822. (BR-Rn, cota DIORA 248, 4, 7 n. 15).
27. As partituras costumam trazer apenas as quatro primeiras estrofes (além do refrão), mas nada impede que a música seja aplicada as outras, como mostra a edição de Buschman & Guimarães:
5.Mal soou na serra, ao longe,
Nosso grito varonil,
Nos immensos hombros, lógo,
A cabeça ergue o Brazil.
6.Filhos! Clama, caros filhos!
É, depois de affrontas mil,
Que, a vingar a negra injuria,
Vem chamar-vos o Brazil.
7.Não temais impias phalanges
Que apresentam face hostil:
Vossos peitos, vossos braços
São muralhas do Brazil.
8.Mostra Pedro á vossa frente,
Alma intrépida e viril!
Tendes n’elle o digno chefe
D’este imperio do Brazil.
9.Parabéns, oh! Brazileiros!
Já, com garbo juvenil,
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brazil.
10.Parabéns! Já somos livres!
Já brilhante e senhoril
Vai juntar-se em nossos lares
A Assembléa do Brazil.
28. Op. Ct. Vol. 1
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